Vire o prato
Manassés foi rei de Judá por mais de meio século, de 697 a 642 antes de Cristo. Ele fez, ostensivamente, tudo o que o Senhor reprova. Reconstruiu altares idólatras, praticou feitiçaria, recorreu a médiuns, consultou espíritos, matou tanta gente que “as ruas de Jerusalém ficaram alagadas de sangue” (2 Rs 21.16, NTLH). Chegou a queimar o próprio filho em sacrifício a deuses estranhos. O pior é que Manassés não pecou sozinho: ele desviou o povo de Deus, levando-o a fazer também o que o Senhor reprova. A corrupção foi tão generalizada e ampla que o Senhor lhes disse: “Limparei Jerusalém como se limpa um prato, lavando-o e virando-o de cabeça para baixo” (2 Rs 21.13).
À luz do contexto, limpeza aqui indica o juízo de Deus sobre a cidade, que seria totalmente esvaziada e levada para o exílio na Babilônia depois do prolongado cerco e da tomada de Jerusalém na época de Nabucodonosor, o que ocorreu no ano 586 antes de Cristo.
Mas o texto pode ser aproveitado para falar de limpeza ética (e não étnica), principalmente se trouxermos à lembrança uma das frases de Jesus no discurso contra a hipocrisia: “Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas! Vocês limpam o exterior do copo e do prato, mas por dentro eles estão cheios de ganância e cobiça. Fariseu cego! Limpe primeiro o interior do copo e do prato, para que o exterior também fique limpo” (Mt 23.25-26).
Nesse caso, o texto de 2 Reis reforça o ensino de Jesus: precisamos de uma limpeza tão bem feita, tão completa, tão profunda como aquela que se consegue quando “se esfrega um prato por dentro e por fora” (Bíblia do Peregrino).
A limpeza exterior é muito fácil. Difícil mesmo é a limpeza interior. Preocupamo-nos mais com a aparência e dela cuidamos muito mais, enquanto o interior fica cada vez mais sujo, mais feio e mais malcheiroso. É por isso que o poeta Paul Valéry escreveu: “Os homens se diferenciam pelo que demonstram e se assemelham pelo que são”.
A atitude de não virar o prato de cabeça para baixo nada mais é do que a prática da hipocrisia. O inimigo número um da hipocrisia é Jesus Cristo. Para ele não há pecado mais grave do que a falta de correspondência entre o que mostramos e o que somos. O cristianismo não tolera sepulcros caiados, “bonitos por fora, mas por dentro cheios de ossos e de todo tipo de imundície” (Mt 23.27).
Pecaremos menos se deixarmos o prato sujo por fora, quando por dentro ele estiver imundo!
Ultimato - Edição 298