sexta-feira, 11 de abril de 2008

quem realmente você é...

Vire o prato
Manassés foi rei de Judá por mais de meio século, de 697 a 642 antes de Cristo. Ele fez, ostensivamente, tudo o que o Senhor reprova. Reconstruiu altares idólatras, praticou feitiçaria, recorreu a médiuns, consultou espíritos, matou tanta gente que “as ruas de Jerusalém ficaram alagadas de sangue” (2 Rs 21.16, NTLH). Chegou a queimar o próprio filho em sacrifício a deuses estranhos. O pior é que Manassés não pecou sozinho: ele desviou o povo de Deus, levando-o a fazer também o que o Senhor reprova. A corrupção foi tão generalizada e ampla que o Senhor lhes disse: “Limparei Jerusalém como se limpa um prato, lavando-o e virando-o de cabeça para baixo” (2 Rs 21.13).

À luz do contexto, limpeza aqui indica o juízo de Deus sobre a cidade, que seria totalmente esvaziada e levada para o exílio na Babilônia depois do prolongado cerco e da tomada de Jerusalém na época de Nabucodonosor, o que ocorreu no ano 586 antes de Cristo.

Mas o texto pode ser aproveitado para falar de limpeza ética (e não étnica), principalmente se trouxermos à lembrança uma das frases de Jesus no discurso contra a hipocrisia: “Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas! Vocês limpam o exterior do copo e do prato, mas por dentro eles estão cheios de ganância e cobiça. Fariseu cego! Limpe primeiro o interior do copo e do prato, para que o exterior também fique limpo” (Mt 23.25-26).

Nesse caso, o texto de 2 Reis reforça o ensino de Jesus: precisamos de uma limpeza tão bem feita, tão completa, tão profunda como aquela que se consegue quando “se esfrega um prato por dentro e por fora” (Bíblia do Peregrino).

A limpeza exterior é muito fácil. Difícil mesmo é a limpeza interior. Preocupamo-nos mais com a aparência e dela cuidamos muito mais, enquanto o interior fica cada vez mais sujo, mais feio e mais malcheiroso. É por isso que o poeta Paul Valéry escreveu: “Os homens se diferenciam pelo que demonstram e se assemelham pelo que são”.

A atitude de não virar o prato de cabeça para baixo nada mais é do que a prática da hipocrisia. O inimigo número um da hipocrisia é Jesus Cristo. Para ele não há pecado mais grave do que a falta de correspondência entre o que mostramos e o que somos. O cristianismo não tolera sepulcros caiados, “bonitos por fora, mas por dentro cheios de ossos e de todo tipo de imundície” (Mt 23.27).
Pecaremos menos se deixarmos o prato sujo por fora, quando por dentro ele estiver imundo!
Ultimato - Edição 298

Uma versão clara do episódio de Ana

A DEFESA DE ANA

Num desses equívocos imperdoáveis cometidos por ministros religiosos, o sumo sacerdote Eli, em vez de oferecer o ombro para Ana desafogar a sua aflição, tratou-a como uma mulher embriagada (a palavra do original pode significar também mulher vadia, mulher perdida, descarada ou vagabunda). O fato aconteceu em Siló, a 35 quilômetros ao nordeste de Jerusalém, onde se localizavam o santuário central e a arca da aliança, lá pelo ano 1.100 antes de Cristo.

A defesa de Ana, até então estéril, pode ser parafraseada assim: “O sacerdote se equivocou. Não bebi vinho nem qualquer outra bebida forte. Não estou embriagada. Não sou mulher vadia. Tenho marido e só não tenho filhos porque o Senhor tem me deixado estéril até agora. Estou apenas chorando, derramando o excesso de minha tristeza diante do Senhor, desafogando a minha alma, desabafando meus segredos e minhas dores, suplicando o fim de minha esterilidade, clamando a Deus por um filho e prometendo consagra-lo ao Senhor logo após o desmame. Não estou bêbada. Estou triste, muito triste. Estou angustiada, muito angustiada. Estou amargurada, muito amargurada. Estou humilhada, muito humilhada. Estou cheia, muito cheia, de Penina, a outra mulher de meu marido, que me irrita, me provoca, me deixa com os nervos na flor da pele. Estou chorando, chorando muito. Estou pedindo, pedindo muito. Estou prometendo, prometendo muito!” (1 Sm 1.9-20.)

Dois ou três anos depois, Ana voltou a Siló, com o pequeno Samuel e mais um filho no ventre, para cumprir o voto feito anteriormente e lá deixou para sempre o primogênito. Então, ela se encontrou com o sacerdote Eli e se apresentou:

“Meu Senhor, eu sou aquela chorona, aquela mulher que mexia os lábios, mas não emitia som algum. Sou aquela mulher casada e séria que o senhor julgou bêbada e vagabunda. Sou aquela mulher estéril, ansiosa para engravidar e sentir as dores de parto. Sou aquela mulher machucada pela outra mulher de meu marido. Sou aquela mulher que estava no limiar de um desequilíbrio emocional. Sou aquela mulher que não comia nem bebia e carregava um semblante triste. Sou aquela mulher que recorreu à oração para superar um problema sem solução. Sou aquela mulher em cuja cabeça o senhor finalmente deitou as mãos para me dizer: ‘Vá em paz, e que o Deus de Israel lhe conceda o que você pediu’. Sou aquela mulher que fez o voto de dedicar ao Senhor o filho que porventura ele lhe desse por todos os dias de sua vida” (1 Sm 1.24-28, paráfrase).

Depois de deixar o pequeno Samuel nas mãos de Eli, Ana voltou para Ramataim com o marido e o outro filho no ventre. Ela engravidou outras três vezes e teve ao todo três filhos e duas filhas (1 Sm 2.21).

Editora Ultimato - edição 298