segunda-feira, 12 de junho de 2017

Dia dos namorados

VÍCIO
Tu nunca bates no meu pensamento à hora de entrar.
Chegas de repente, invades tudo, e é impossível te expulsar
por que então já sou eu que te procuro.

Não escolhes momento. É na hora séria ou na hora triste,
na hora romântica, ou na hora de tédio
por mais que me encontres fechado em mim mesmo
entras pelo pensamento, - clara fresta, vulnerável
às lembranças do teu desejo.

E quando chegas assim, estremeço até regiões ignoradas
me levanto, e saio, sonâmbulo, a te buscar
a caminhar a esmo...

Chegas - como uma crise a um asmático, - e então
[preciso de ti
como preciso de ar,
e tenho a impressão de que se não te alcanço, se não
[te encontro,
vou morrer, miserável, como um transeunte nas ruas,
antes que o socorro chegue para salvá-lo...
alcançar-te é um suplício...

Teu amor para mim - é humilhante a confissão
-Depois que consegues atingir meu pensamento
tua posse é uma obsessão,
não é amor, é vicio...

© JG de Araújo Jorge
In Harpa Submersa, 1952

Para o Dia dos Enamorados

EXPLICAÇÃO
Se me encontrasses aqui sozinho
e me perguntasses o que vivo conjeturando
assim triste
pensativo...

Eu te diria que estou pensando que sem te ter comigo
nada existe,
e sem poder te amar, não vivo...

- Sobrevivo...

© JG de Araújo Jorge
In Os Mais Belos Poemas Que O Amor Inspirou,  1965

Poemas para os enamorados

EXALTAÇÃO DO AMOR
Sofro, bem sei... Mas se preciso fôr
sofrer mais, mal maior, extraordinário,
sofrerei tudo o quanto necessário
para a estrêla alcançar... colher a flor...

Que seja imenso o sofrimento, e vário!
Que eu tenha que lutar com força e ardor!
Como um louco talvez, ou um visionário
hei de alcançar o amor... com o meu Amor!

Nada me impedirá que seja meu
se é fogo que em meu peito se acendeu
e lavra, e cresce, e me consome o Ser...

Deus o pôs... Ninguém mais há de dispor!

Se êsse amor não puder ser meu viver
há de ser meu para eu morrer de Amor!

© JG de Araújo Jorge
In Bazar de Ritmos, 1935

J. G. de Araújo Jorge

IMPORTA
Para que tentarmos qualquer explicação?

Sei que te tomarei nos braços como a uma criança
e atenderei à súplica de teus olhos...

Sei que já agora, depois que chegaste ao coração,
seria impossível voltar

E para que voltar? Que importa se viemos de longe
e se deixamos tanta cousa para trás?
Importa é que posso levar-te em meus braços,
dobrar a curva adiante, escalar a montanha,
para encontrarmos a paisagem nova
que será outro mundo...

Importa é que nos sentimos como se tudo começasse
agora.
depois que és minha e eu sou teu,
e como se nada tivesse existido antes,
nada...
nem tu... nem eu...

© JG de Araújo Jorge
In A SÓS..., 1958

J. G. de Araújo Jorge

E o resto é silêncio...

E então ficamos os dois em silêncio, tão quietos
como dois pássaros na sombra, recolhidos
ao mesmo ninho,
como dois caminhos na noite, dois caminhos
que se juntam
num mesmo caminho...
.
Já não ouso... já não coras...
E o silêncio é tão nosso, e a quietude tamanha
que qualquer palavra bateria estranha
como um viajante, altas horas...
Nada há mais a dizer, depois que as próprias mãos
silenciaram seus carinhos...
Estamos um no outro
como se estivéssemos sozinhos...




Dia dos namorados

A sós ...

Como duas gaivotas
na solidão do céu,
em pleno mar,
sonhando no ar...

A sós
como duas mãos quando se procuram
e se encontram,
sem voz...

Como eu e tu
quando somos nós
a sós...

J. G. de Araújo Jorge

Dia dos namorados

Falta de Ar

Há dias que posso passar sem sol, sem luz,
sem pão,
sem tudo enfim...

( Tenho até a impressão de que não preciso de nada...
... nem mesmo de mim...)

Mas há dias, amor... ( e parece mentira)
- nem eu sei explicar o porquê
de tão grande aflição -

em que não posso passar sem Você
um segundo que seja!
- de repente preciso encontrá-la, é preciso que a veja -

- Você é o ar com que respira
meu coração !

J. G. de Araújo Jorge

Ao dia dos enamorados

Canto integral do amor 
               
Cegos os olhos, continuarias de qualquer forma, presente,
surdos os ouvidos, e tua voz seria ainda a minha música,
e eu mudo, ainda assim, seriam tuas as minhas palavras.
Sem pés, te alcançaria a arrastar-me como as águas,
sem braços, te envolveria invisível, como a aragem,
sem sentidos, te sentiria recolhida ao coração como
o rumor do oceano nas grutas e nas conchas.

Sem coração, circularias como a cor em meu sangue,
e sem corpo, estarias nas formas do pensamento
como o perfume no ar.

E eu morto, ainda assim por certo te encontrarias
no arbusto que tivesse suas raízes em meu ser,
- e a flor que desabrochasse murmuraria teu nome.        

Poema de J.G. de Araújo Jorge